Testes virucidas e antivirais em diversos materiais e monitoramento ambiental de vírus (uma gama que vai de ostras até esgoto) fazem parte do cotidiano do Laboratório de Virologia Aplicada (LVA) do departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia (MIP) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Com a emergência provocada pela pandemia de Covid-19, a estrutura ganhou mais demandas de trabalho, tanto do setor público como do privado.
Pesquisadora e professora Gislaine Fongaro destaca que o LVA tem grande impacto na virologia brasileira e mundial, “sendo considerado referência na virologia ambiental, em estudos antivirais e virucidas”. Ela ressalta ainda que o interesse pela Virologia Ambiental aumentou nos últimos meses: “Com a pandemia, isto se tornou algo evidente. Surgiu a preocupação da rota ambiental dos vírus: se eles permanecem em roupas, nas superfícies, vão para a água, para o esgoto, aerossolizam de estações de tratamentos de esgoto? Quando falo em vírus, não falo só do corona, mas de vírus gerais, lembrando destas capacidades e características dos vírus com rota ambiental, que geram importante impacto à Saúde Única (animal, ambiental e humana)”.
O LVA trabalha com a parte de ciência aplicada, e é um dos mais importantes laboratórios do país com este nível de especialização. “Com esse boom todo, provavelmente se otimize a virologia aplicada. Há muitos laboratórios que trabalham a parte básica, buscando características e a história do vírus, mas não aplicando a ciência básica ao ambiente ou à saúde. Na virologia, você tem um conhecimento básico, que é super importante para dar o start nesta aplicação, e depois desse passo, deve-se fazer os testes para aplicabilidade. Neste momento, com o know-how do laboratório, foi possível dar aporte para as pessoas que perguntam: isso funciona para vírus? O vírus fica muito tempo no ambiente? E o esgoto sanitário?”, salienta a pesquisadora.
- Laboratório de Virologia Aplicada analisa amostras de diversos materiais. Foto: Daiane Mayer/Estagiária de Fotografia da Agecom/UFSC
- Laboratório de Virologia Aplicada analisa amostras de diversos materiais. Foto: Daiane Mayer/Estagiária de Fotografia da Agecom/UFSC
- Laboratório de Virologia Aplicada analisa amostras de diversos materiais. Foto: Daiane Mayer/Estagiária de Fotografia da Agecom/UFSC
- Laboratório de Virologia Aplicada analisa amostras de diversos materiais. Foto: Daiane Mayer/Estagiária de Fotografia da Agecom/UFSC
- Laboratório de Virologia Aplicada analisa amostras de diversos materiais. Foto: Daiane Mayer/Estagiária de Fotografia da Agecom/UFSC
O Laboratório utiliza modelos virais, de acordo com métodos padronizados internacionalmente, para lidar com esse tipo de agentes infeccioso. Gislaine acrescenta que eles não foram pensados especificamente para o novo coronavírus, mas que englobam duas características básicas de vírus: envelopados e não-envelopados. No primeiro caso, os vírus envelopados têm uma camada lipídica extra, que ganha quando sai da célula onde foi replicado, e protege o material interno do vírus. “Com o álcool, por exemplo, se pode desestabilizar esta camada e eliminar a partícula viral infecciosa”. Em não-envelopados, apenas proteína pura protege o material genético do vírus, completa Gislaine: “O menos é mais. Os que não têm envelope são mais resistentes ao meio ambiente, à luz ultravioleta e aos tratamentos de água e esgoto do que os com camada extra”.
O LVA recebe amostras de tecido, tinta e outros materiais que recebem algum tipo de tratamento, e aplicam testes controlados com vírus. “Quando fazemos testes, utilizamos os modelos envelopado e não-envelopado. Se funcionou, é determinada a capacidade virucida de determinado agente, seja um ultravioleta, seja um detergente, um antisséptico, um tecido nanoparticulado. Essas são informações básicas. Nós adotamos as metodologias do exterior, as ISOs, que são para atividades virucidas em superfícies têxteis, quanto em superfícies plásticas e não porosas, bem como utilizando este tipo de padronização para testar antissépticos, detergentes”.
Uma das perguntas mais recorrentes, relata Gislaine, é se o LVA trabalha ou faz teste com o novo coronavírus. “A gente não faz o teste com o corona, até o momento. O trabalho para isolar e replicar o SARS-COV-2 necessitaria de um laboratório com nível de biossegurança 3 – a UFSC não dispõe dessa estrutura, sendo tal estrutura muito importante para esse momento e futuros estudos em várias áreas de atuação”.
Até hoje o LVA, fundado em 1993 pelas professoras Célia Regina Monte Barardi, do Departamento de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia (MIP) do Centro de Ciências Biológicas (CCB) e Cláudia de Oliveira Simões, do Departamento de Ciências Farmacêuticas (CIF) do Centro de Ciências da Saúde (CCS), levaram à triagem de mais de 1.500 extratos e frações de origem natural, sendo que mais de 1.000 substâncias sintéticas já foram analisadas, gerando pedidos de proteção intelectual ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) na área de antivirais e antitumorais. Mais de 350 artigos científicos foram gerados na área de virologia básica e ambiental. Atualmente atuam no LVA, além de Gislaine, as professoras Izabella Thaís da Silva e Ariadne Cristiane da Cruz.
Coronavírus no esgoto
Além dos tecidos inteligentes que incorporam materiais inteligentes-ativos, de superfícies plásticas também tratadas e paredes com pinturas que já tem capacidade antifúngica e seus desenvolvedores gostariam de testar as propriedades contra vírus, por conta do SARS-Cov-2, o Laboratório de Virologia Aplicada recebeu demandas para análise de esgoto sanitário, informa a professora: “(O laboratório) Já fazia isso há muitos anos. É uma forma interessante e inteligente de ver também que tipo de vírus está circulando: alguns vírus são excretados nas fezes, o corona é um deles. Vai ser importante, estamos no começo deste trabalho de fazer coletas de esgoto sanitário, não só de Florianópolis, mas tentando atender outras cidades, inclusive estudando esgoto hospitalar”.
Pretende-se partir para o estudo molecular e poder olhar para a pandemia através do esgoto, pois realizando o sequenciamento genético (trabalho de uma ampla parceria), é possível saber quais cepas do vírus estão sendo propagadas e excretadas por contaminados. Conforme Gislaine, “é importante saber, porque o esgoto é uma representatividade da população. Se a gente não faz teste em pessoa por pessoa, que é o que deveria ser feito, mas olhamos para o esgoto e temos a amostra do todo”.
O LVA conta com a ajuda das estações de tratamento para a coleta e para ampliar o conhecimento regional sobre o SARS-CoV-2. “Não interessa só saber a eficiência para o tratamento do esgoto, queremos, falando em corona, coletar o esgoto bruto para saber o que está circulando na população. Vai ser uma resposta importante. Temos esgoto desde novembro de 2019, é um trabalho de rotina, analisar esgoto e água. Vamos conseguir fazer a rastreabilidade para saber se o vírus estava por aqui antes do primeiro caso confirmado”, comenta a pesquisadora.
O foco de um projeto que envolve o LVA com o cenário de pandemia é o desenvolvimento do biomonitoramento. Os testes para esgoto são baseados na parte molecular: “O esgoto é coletado com devida parlamentação e proteção, transportado em frasco estéril até o LVA. Fazemos uma concentração dos vírus que estão ali. Pode ter corona, como outros. Ao terminar esta etapa, fazemos a extração do material genético. Depois, a gente só trabalha com o material genético viral. Faz a reação de RT-PCR (da sigla em inglês: transcrição reversa seguida de reação em cadeia da polimerase – o RNA do vírus é transformado em DNA para poder investigar a presença do genoma viral), uma comprovação do que o vírus estava ali, podendo-se ainda estudar qual o tipo ele é”. O teste molecular é rápido: se a amostra chega na parte da manhã, à tarde é possível informar a presença do vírus. Já o sequenciamento genético do vírus demanda mais tempo.
Para dar maior corpo ao trabalho com o esgoto, depende-se dos recursos dos projetos que foram enviados de pesquisadoras do LVA em parceria com outros colegas da UFSC, bem como com de outras instituições (nacionais e internacionais). “Algumas coisas a gente consegue com os recursos que têm. Outras, como o sequenciamento, não”, diz Gislaine. “O projeto é uma parceria, muitas mãos unida. Vai ser um trabalho interdepartamental e intercentro, com equipes do CCB, CCS e CTC, o pessoal da Engenharia Sanitária e Ambiental está nos apoiando muito”.
Retribuição à sociedade
Outra emergência provocada pela pandemia, destaca a pesquisadora, se relaciona aos frigoríficos. “Santa Catarina é um dos maiores produtores de carne no Brasil. Somos referência mundial em produção. O pessoal dos frigoríficos quer saber como fazer o controle dos trabalhadores e dos ambientes. Estamos propondo avaliar o esgoto sanitário, para saber o que circula, bem como alavancar a possibilidade de testagens no pessoal que trabalha nestes locais. “Gostaríamos de dar este retorno para a sociedade, que mexe com saúde e economia, com a vida de muitas pessoas. No Oeste de Santa Catarina, temos muitas cidade em que 70% da população está diretamente envolvida com setor frigorífico, as empresas estão demonstrando essa preocupação. A demanda por alimento não vai parar por causa da pandemia”.
A compensação à sociedade é destacada pela professora, que salienta a “responsabilidade com demandas da sociedade, bem como a necessidade de investimentos em recursos humanos formados na área, de quem saiba trabalhar com biotecnologia, com biologia molecular, cultura celular, sendo que esses recursos em sua grande maioria são formados aqui, por nós, em Universidade Pública. O ensino e a formação dependem diretamente da qualidade de nossas pesquisas e projetos extensionistas”.
Caetano Machado/Jornalista da Agecom/UFSC
Fotos: Daiane Mayer/Estagiária de Fotografia da Agecom/UFSC
FONTE: https://noticias.ufsc.br/2020/05/pandemia-amplia-interesse-brasileiro-pelo-laboratorio-de-virologia-aplicada-da-ufsc/